JORNAL OPTIMUS/BLITZ nº 11:
Metallica - Até que a morte os separe
Com quase 30 anos de carreira, os Metallica continuam a dar cartas e a quebrar preconceitos. A não perder no Optimus Alive!09, no Passeio Marítimo de Algés, a 9 de Julho.
Inicialmente nem sequer queria ser o vocalista dos Metallica". Quem conhece James Hetfield e a banda que lidera pode achar a afirmação demasiado bizarra para ser credível, mas a verdade é que - quando começaram a tocar juntos - Hetfield e o baterista Lars Ulrich ainda não tinham elaborado um plano de conquista mundial e, provavelmente, a hipótese de um dia se transformarem numa das maiores bandas de rock pesado do mundo era apenas um dos sonhos mais alucinados da dupla de adolescentes.
Apaixonados pelo heavy metal que se fazia deste lado do Atlântico - a New Wave Of British Heavy Metal estava a viver um seu ponto de ebulição - os dois adolescentes tinham como principal objectivo tornar produtiva a sua paixão por bandas como os Iron Maiden, Saxon, Deep Purple ou Budgie.
No início do Verão de 2008, entre fotografias dos filhos e da família mais próxima, o carismático "frontman" dos Metallica recordava à BLITZ com carinho os primórdios de um projecto que, feitas as contas, remou contra a maré para se estabelecer como um nome a ter em conta. "Sempre sonhei ser músico, tocar guitarra e estar num palco... mas os meus planos não passavam por estar à frente. Não sei bem explicar porque é que me sentia assim, mas provavelmente tinha medo de falhar e de enfrentar o desconhecido. Acabei por me adaptar à situação e nem foi tão complicado como imaginava, mas também não o fiz sozinho e tive algumas ajudas enormes. É lógico que o resto da banda sempre constituiu um apoio grande, mas é o público que faz toda a diferença. São eles que nos fazem ficar loucos, é para eles que escrevemos grandes canções e são eles que nos permitem entrar noutra dimensão quando estamos em palco. Sem a plateia seríamos apenas nós, na sala de ensaios ou no estúdio".
Reis do Metal
A verdade é que muita coisa mudou na vida do músico norte-americano desde que, em 1981, estabeleceu contacto com o baterista Lars Ulrich através de um anúncio publicado num jornal de Los Angeles. No início do ano seguinte o grupo gravou o seu primeiro tema original - "Hit The Lights", incluído da compilação Metal Massacre I - e uma sequência de sete maquetas, que lhes permitiram espalhar o seu thrash/speed metal na cena local e assinar contrato com a independente Metal Blade para a gravação do primeiro álbum de originais.
Entre 1983 e 1986 os Metallica lançaram Kill 'Em All , Ride The Lightning e Master Of Puppets - três discos que, ainda hoje, são vistos como pedras basilares e incontornáveis de toda a música extrema criada durante a década de 80. No entanto, foi apenas em 1988 - com a edição do seminal "...And Justice For All" e a gravação do teledisco de "One" - que apanharam na sua teia uma audiência mais mainstream , transformando-se finalmente num fenómeno de massas e vendas com o mega-sucesso Metallica (também conhecido como Black Album , de 1991).Marcando a primeira colaboração entre o quarteto e o produtor Bob Rock.
O álbum homónimo da banda transformou-se no maior êxito comercial alguma vez atingido por uma banda de heavy metal - o disco vendeu 598.000 cópias na semana em que foi posto à venda, entrando de imediato para o primeiro lugar da Billboard 200(ranking correspondente aos álbuns mais vendidos) e manteve-se nas tabelas de vendas durante as 85 semanas seguintes.
O single "Enter Sandman" transformou-se de imediato num clássico e, apesar da sonoridade mais acessível que caracterizava canções como "Nothing Else Matters" ou "The Unforgiven", os fãs nem pensaram duas vezes e receberam a banda de braços abertos numa digressão mundial que durou mais de dois anos e os trouxe pela primeira vez a Portugal. A fase seguinte da carreira do grupo seria tudo menos consensual, com a orientação mais "alternativa" de Load e Reload - de 1996 e 1997, respectivamente - a dividir a falange de seguidores.
E é precisamente na recta final dos anos 90, que as coisas começam a decair em termos de criatividade e o percurso dos Metallica se começa a confundir num turbilhão de lançamentos que se limitam a marcar passo, digressões muito bem sucedidas e alguns processos judiciais bastante curiosos - a marca de lingerie Victoria's Secret e a plataforma de partilha de ficheiros MP3 Napster são apenas os alvos mais conhecidos de Lars Ulrich.
Casados e pais de filhos, Ulrich e Hetfield começam a ter cada vez menos tempo para dedicar ao grupo que, em Fevereiro de 2001, vê a sua estrutura abalada quando o baixista Jason Newsted - que tinha entrado para o colectivo no final de 1986, depois da trágica morte de Cliff Burton - anuncia o seu abandono sem que nada o fizesse prever.
Frustrado pela forma como os seus companheiros de banda condenavam a sua participação pontual em projectos paralelos e, sobretudo, com uma relação pessoal tensa com Hetfield, Newsted decide pôr um ponto final na sua colaboração com os Metallica.
O vocalista, por seu lado, é internado num clínica de reabilitação para lidar com os seus problemas de "alcoolismo e outros vícios" e o grupo enfrenta assim uma das fases mais instáveis e difíceis da sua longa carreira.
Uma espécie de monstro
O processo de criação do controverso St. Anger - que Hetfield confessou à BLITZ ser "um dos momentos mais problemáticos" do percurso da banda - foi analisado ao pormenor no documentário Some Kind Of Monster . Muito mais do que uma simples porta aberta para o universo do colectivo, o documentário procurava desmistificar as personalidades individuais dos músicos e tornava óbvia a animosidade que sempre alimentou a relação Hetfield/Ulrich.
"É algo que tem de acontecer para continuarmos a ser os Metallica", confirmou o vocalista à BLITZ. "Estamos constantemente a lutar por um lugar ao volante, enquanto os outros dois vão no banco de trás a atirar brinquedos um ao outro... O Kirk [Hammett, guitarrista] e o Rob [Trujillo, baixista] são as crianças, mas estão satisfeitos por poderem fazer a viagem connosco e por chegarem ao destino sãos e salvos. Acho que essa é a beleza das personalidades que compõem esta banda. Eu e o Lars passamos a vida a ter de dar o braço a torcer um ao outro. Somos pessoas muito similares, mas - simultaneamente - muito diferentes também. Eu gosto muito de sentir as coisas, e de as deixar acontecer naturalmente. O Lars prefere racionalizar tudo até ao mais ínfimo pormenor. Tenta planear o futuro e criar um plano que nos permita chegar cada vez mais longe, basicamente é um estratega. Essas diferenças acabam por gerar conflitos, como é óbvio. Uns mais graves que outros, mas nunca deixam de ser conflitos. Agora parece que conseguimos - finalmente! - encontrar as ferramentas necessárias para resolver as nossas diferenças e tornou-se tudo um pouco mais fácil. Percebemos que nenhum de nós faz seja o que for apenas para contrariar o outro, e tentámos abraçar os nossos choques da forma mais produtiva possível. Eu sei perfeitamente como ele cresceu, o Lars sabe com eu cresci... Somos como um casal, que está junto há quase 30 anos. Conhecemo-nos muito bem e acho que nunca nos sentimos tão confortáveis um com o outro como agora; já sabemos o que fazer para evitar uma discussão, por exemplo. Eu tento planear, pelo menos, o dia seguinte. O Lars, por seu lado, tenta não estar sempre tão focado no seu "masterplan". Os nossos choques estão lá desde o início e fazem parte da identidade dos Metallica, a única coisa que faltava era aprendermos a lidar com eles de uma forma mais adulta".
Talvez seja exactamente isso que faz dos Metallica de 2009 - e, consequentemente, de Death Magnetic em oposição a St. Anger - uma "besta" muito diferente. "Acho que o disco novo soa, simultaneamente, ao passado e ao futuro dos Metallica - é como se fosse uma espécie de renascimento. E isso acontece por uma série de razões diferentes... Para começar, é o primeiro disco que gravamos com o Robert [Trujillo] e, claro, o primeiro álbum dos Metallica em que ele esteve envolvido desde o início. Depois estamos a trabalhar com um produtor novo e isso também acabou por ter bastante influência no nosso método de trabalho... é algo que não podemos mesmo negar. Todos sentimos que estamos a entrar numa nova fase na nossa carreira e, para ser muito sincero, acho que já nos sentimos assim desde que acabámos de gravar o St. Anger . O objectivo com esse disco era fazer uma limpeza profunda ao nosso sistema interno e foi isso que fizemos. Olhando para trás consigo perceber que talvez tenha sido uma descarga de energia demasiado unidimensional para o que se espera de um grupo como nós, mas fizemos aquilo que sentimos necessidade de fazer naquela altura e agora sei que estamos finalmente prontos para dar o próximo passo. O ambiente que se vive no seio da banda nunca foi tão saudável e estamos abertos a tudo".
Um óptimo exemplo disso é o jogo Guitar Hero: Metallica para a Xbox e PlayStation, que tem data de edição no mercado norte-americano agendada para 29 de Março e inclui, não só alguns dos maiores sucessos da banda mas também música de outros artistas como Alice In Chains, Judas Priest, Foo Fighters, Mastodon, Slayer, Queen ou Motörhead, entre muitos outros.
Segundo o site da revista Rolling Stone, que já teve acesso privilegiado ao jogo, o argumento foi idealizado por James Hetfield e começa por dar oportunidade aos jogadores de serem a banda de abertura de um concerto dos Metallica. As ilustrações são da responsabilidade do artista Pushead e as imagens de palco retratam todas as fases da carreira do grupo, o que permite que os músicos surjam no ecrã com o aspecto que têm hoje em dia ou mais jovens.
A família vem primeiro
Apesar de Hetfield ter declarado - sem a mínima ponta de embaraço - que, actualmente, "os Metallica estão num segundo lugar muito próximo do primeiro, mas a família vai à frente", a banda não parece minimamente interessada em abrandar o seu ritmo. À excepção de algumas críticas que visam a qualidade sonora final de Death Magnetic , as reacções provocadas pelo disco foram das mais consensuais que o quarteto gerou desde o lançamento de Black Album , em 1991.
As reacções aos espectáculos que protagonizaram durante o Verão passado e da digressão norte-americana que está actualmente em curso têm sido recebidos com aplausos e, bem vistas as coisas, tanto a crítica como a indústria e o público aclamaram em uníssono o regresso à forma de outros tempos.
A banda arrecadou recentemente mais dois Grammys - o single "My Apocalypse" valeu-lhes o galardão de "Best Metal" e o complexo grafismo do álbum também foi premiado - para engrossar a sua colecção e prepara-se agora para, numa cerimónia a acontecer no próximo dia 4 de Abril, ver finalmente o seu nome inscrito no famoso Rock And Roll Hall Of Fame.
"É uma daquelas coisas que só acontecesse uma vez na vida e isso faz com que seja muito diferente", declarou o vocalista quando instigado pela Rolling Stone a comparar este galardão com todos os outros que foram recolhendo ao longo da sua estóica carreira. "Para mim é sobretudo uma questão de união", acrescentou Lars Ulrich quando abordado acerca do assunto.
"Basicamente faz-nos sentir parte de uma coisa maior, como se fossemos um elo de ligação entre tudo o que aconteceu antes de nós e tudo o que vai acontecer depois. Pessoalmente adoro a história do rock'n'roll, aprecio verdadeiramente a forma como todos os géneros e tendências se completam entre si e, claro, é uma honra enorme podermos continuar a servir de inspiração aos músicos mais jovens".
A primeira vez
A 16 de Junho de 1993, os Metallica faziam furor no desaparecido Estádio José de Alvalade . A estreia em Portugal da banda norte-americana deu que falar nas páginas do então jornal BLITZ.
Numa altura em que Portugal ainda estava afastado da rota habitual das digressões europeias e o público ainda não dava os concertos como "garantidos", a primeira actuação em território nacional dos gigantes Metallica (com abertura dos Suicidal Tendencies e The Cult) foi recebida com toda a pompa e circunstância. O bilhete custava apreciáveis 4.500 escudos, mas a 16 de Junho de 1993 o entretanto desaparecido Estádio José de Alvalade recebeu mais de 60.000 fiéis.
Por essa altura, o álbum de 1991 já se tinha transformado num fenómeno de vendas e a base de seguidores do colectivo tinha crescido bastante graças ao sucesso de canções como "Enter Sandman" e "Nothing Else Matters", mas o ambiente que se vivia nas imediações do estádio era semelhante ao que se sentia habitualmente quando os Iron Maiden faziam as suas incursões periódicas e muito concorridas pelo Pavilhão Dramático de Cascais - uma imensidão de t-shirts pretas, calças de ganga elástica, ténis-bota brancos e, claro, os cabelos compridos da praxe.
Com seu enérgico crossover thrash/hardcore, os Suicidal Tendencies espalharam o caos pela plateia e instalou-se desde cedo um autêntico frenesim de mosh e slam dancing entre os fãs sedentos por ver, ao vivo e a cores, os seus ídolos. Seguiram-se os Cult, donos de considerável base de apoiantes em solo lusitano, mas o constante arremesso de pedaços de relva para o palco fez com que Ian Astbury se insurgisse contra o público e os seguranças.
Na terça-feira seguinte, o BLITZ dava conta do sucedido num artigo intitulado "O Dia em que Lisboa Estremeceu". "Foi de isqueiros acesos que a multidão de Alvalade recebeu James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammet e Jason Newsted", escrevia António Freitas. Faltavam 10 minutos para as onze da noite.
Já ao som de "Creeping Death", Hetfield fez mais uma das suas originais saudações: "how the motherfucking are you doin'?" e, em êxtase, os metaleiros responderam com um imenso urro - só faltou ver lágrimas". Apoiados num alinhamento assente no material de Black Album (de que tocaram "Of Wolf and Man", "Wherever I May Roam", "The Unforgiven", "Nothing Else Matters", "Sad But True" e "Enter Sandman"), mas onde também houve tempo para ouvir muitos clássicos e para apreciar diversos solos de guitarra e baixo, os Metallica protagonizaram um espectáculo que ficou marcado para sempre na memória.